Análise Jurídica do Caso Banco Master: Liquidação, Crimes Financeiros e a Autonomia do Banco Central

O artigo analisa juridicamente a liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo Banco Central em novembro de 2025 após a Operação Compliance Zero da Polícia Federal. Examina a fundamentação legal na Lei 6.024/74, os possíveis crimes contra o sistema financeiro (Lei 7.492/86), a controvérsia sobre a atuação do STF no caso e o papel do FGC na proteção dos investidores afetados pela maior operação de ressarcimento de sua história, estimada em R$ 40 bilhões.

12/29/20255 min read

Análise Jurídica do Caso Banco Master: Liquidação, Crimes Financeiros e a Autonomia do Banco Central

Introdução

A recente liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo Banco Central do Brasil (BC) em 18 de novembro de 2025, representa um dos mais significativos eventos do sistema financeiro nacional nos últimos anos. Desencadeada pela "Operação Compliance Zero" da Polícia Federal, a medida expôs um complexo cenário de supostas fraudes, gestão temerária e graves violações regulatórias, culminando na maior operação de ressarcimento da história do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Este artigo jurídico visa analisar as múltiplas facetas do caso, abordando o arcabouço legal que fundamentou a atuação do Banco Central, as implicações criminais sob a ótica da Lei nº 7.492/86, a controversa intervenção do Judiciário e os mecanismos de proteção aos investidores.

A Liquidação Extrajudicial e a Competência do Banco Central

A liquidação do Conglomerado Master não foi um ato discricionário, mas uma medida administrativa vinculada, amparada por um robusto conjunto de normativas que visam proteger a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional (SFN). A competência para tal ato é exclusiva do Banco Central, conforme estabelecido pela legislação brasileira.

Fundamentação Legal

  1. O principal diploma que rege o processo é a Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, que dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Em sua nota oficial, o Banco Central justificou a medida com base em três pilares centrais, todos previstos na referida lei :

  2. Grave crise de liquidez e comprometimento da situação econômico-financeira: Alinhado ao Art. 15, inciso I, alínea 'a', da Lei nº 6.024/74, que autoriza a liquidação quando a instituição deixa de satisfazer com pontualidade seus compromissos ou quando sua situação econômica se compromete a ponto de sujeitar a risco seus credores.

  3. Graves violações às normas legais e regulatórias: Corresponde à hipótese do Art. 15, inciso I, alínea 'b', da mesma lei. As investigações apontam para a fabricação de carteiras de crédito falsas e a emissão de títulos sem lastro, configurando severas infrações.

  4. Risco anormal aos credores quirografários: Previsto no Art. 15, inciso I, alínea 'c', o modelo de negócio do banco, que envolvia a captação de recursos com promessas de rendimentos muito acima do mercado, sustentado por ativos de baixa liquidez e alto risco, colocava os credores em posição de vulnerabilidade extrema .

A Autonomia do Banco Central

A decisão de liquidar o Banco Master é um exercício da autonomia técnica e decisória do Banco Central, um princípio fortalecido pela Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021. Esta lei visa blindar a autoridade monetária de pressões políticas, permitindo que suas decisões sejam pautadas estritamente em análises técnicas e prudenciais . A defesa veemente da atuação do BC por parte de entidades como a Febraban, ABBC e Anbima ressalta a preocupação do mercado com a preservação dessa autonomia, considerada um pilar para a estabilidade e a previsibilidade do sistema financeiro.

Implicações na Esfera Criminal: Crimes Contra o Sistema Financeiro

As condutas investigadas no âmbito da Operação Compliance Zero podem configurar diversos tipos penais previstos na Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, conhecida como a "Lei do Colarinho Branco". A apuração de responsabilidade dos controladores e administradores do Banco Master perpassa, principalmente, pelos seguintes crimes:

Crime (Lei nº 7.492/86)

Conduta Associada ao Caso Master:

  • Art. 4º - Gestão Fraudulenta

    Prática de atos de gestão com o objetivo de obter vantagem ilícita, como a fabricação de carteiras de crédito falsas para inflar artificialmente os ativos do banco.

  • Art. 6º - Induzir a Erro

    Manter investidores e o próprio órgão regulador em erro, prestando informações falsas sobre a real situação financeira da instituição.

  • Art. 7º - Emissão Irregular de Títulos

    Emissão de títulos e valores mobiliários sem lastro ou garantia suficientes, prática que estava no cerne do modelo de negócio de alto risco do banco.

  • Art. 10 - Inserção de Elementos Falsos

    Inserção de dados falsos nos demonstrativos contábeis para ocultar o real comprometimento da situação econômico-financeira da instituição.

A Controvérsia Jurídica: A Atuação do Supremo Tribunal Federal

Um dos pontos de maior tensão jurídica no caso foi a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), notadamente as decisões do Ministro Dias Toffoli. Ao avocar o inquérito que corria na Justiça Federal e determinar a realização de uma acareação entre o controlador do banco, o ex-presidente do BRB e um diretor do Banco Central , o STF gerou um intenso debate sobre os limites da revisão judicial dos atos administrativos.

Juristas e entidades do setor financeiro argumentam que, embora o Judiciário possa e deva controlar a legalidade dos atos do BC, a análise não deveria adentrar o mérito técnico da decisão de liquidar a instituição. A liquidação é uma prerrogativa do BC, baseada em critérios técnicos complexos. Uma eventual reversão judicial dessa decisão, como alertado por especialistas, poderia criar um precedente de grave insegurança jurídica, abalando a confiança na autoridade reguladora e na estabilidade do sistema como um todo .

A Proteção aos Credores e o Papel do Fundo Garantidor de Créditos (FGC)

Com a decretação da liquidação, aciona-se o mecanismo de proteção aos depositantes e investidores: o Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Trata-se de uma associação civil, sem fins lucrativos, que garante o ressarcimento de créditos em caso de quebra de uma instituição associada.

No caso do Banco Master, o FGC foi chamado a realizar a maior operação de pagamento de sua história, estimada em mais de R$ 40 bilhões para cerca de 1,6 milhão de credores . A garantia possui limites e regras específicas:

  • Valor da Cobertura: O FGC garante o pagamento de até R$ 250.000,00 por CPF ou CNPJ, por instituição ou conglomerado financeiro.

  • Produtos Cobertos: A garantia abrange depósitos à vista, contas de poupança, e investimentos como CDBs, RDBs, LCIs e LCAs. É crucial notar que nem todos os produtos financeiros são cobertos, como fundos de investimento e debêntures .

  • Teto Global: Há um limite de R$ 1 milhão a cada período de 4 anos para o pagamento de garantias ao mesmo credor, no caso de quebra de mais de uma instituição.

O processo de pagamento depende do envio da lista de credores pelo liquidante nomeado pelo Banco Central, o que pode levar tempo, gerando um período de incerteza para os investidores afetados.

Conclusão

O caso Banco Master é emblemático e transcende a quebra de uma instituição financeira. Ele coloca em evidência a robustez e a importância dos mecanismos regulatórios e de supervisão do Banco Central, cuja autonomia técnica se mostra vital para a saúde do sistema. Ao mesmo tempo, expõe as complexas intersecções entre as esferas administrativa, criminal e judicial, levantando questionamentos cruciais sobre a separação de poderes e a segurança jurídica no ambiente de negócios.

As investigações criminais e os desdobramentos judiciais seguirão seu curso, mas as lições para o mercado, para os reguladores e para os investidores já são claras: a vigilância constante, a regulação prudencial e a atuação firme das autoridades são indispensáveis para mitigar riscos sistêmicos e proteger a poupança popular, alicerces de uma economia sólida e confiável.

Rômulo Ornelas

Advogado